Andamos perdidos por entre “fake news” e uma das consequências é que perdemos o foco no que é essencial nos dias que passam. E porque, afinal, tudo também parece ser essencial, desmobilizamos, frequentemente, quer como cidadãos, quer como sociedade e, até, Estado (steady state).
Com a política nas mãos de comerciantes e de seus fornecedores e dependentes, a incerteza está instalada nas relações internacionais com óbvias consequências em cada país. Dos negócios políticos caiu-se na política dos negócios em que já não há aliados seguros, tratados firmes, acordos de cavalheiros – o que vale é ganhar e fazer o outro perder num mero jogo de soma nula. É o “America First!” em todo o seu apogeu e dimensão global, uma revolução que está a deixar o mundo inteiro em chamas e que crescentemente desvaloriza, ou é feita, à custa já das instituições internacionais deixando este tempo ainda mais perigoso.
Isto dito, questiono a posição daqueles que apenas enchem a boca com o anúncio do “fim da democracia” algo decorrente da crise interminável das democracias. “Este é o tempo dos que odeiam a democracia e que são eleitos pelos cidadãos ressentidos” (Adelino Cunha, Expresso 4 de Janeiro de 2020). Parece ter aqui aplicação, com todo o respeito, aquela sentença que afirma que, quando os eleitores não se mobilizam por aquilo que queremos, a culpa é da democracia e da sua crise. Não, não aceito como possível que na sua essência a generalidade dos cidadãos odeiem a democracia. Qual será a alternativa? Apenas “odeiam” os resultados dos processos democráticos que não levam ao que pretendem! Que, em geral, os cidadãos estão ressentidos e, por isso, elegem os que odeiam a democracia não parece ser conclusão justificável nem com fundamento, embora falar em ressentimento social seja um forte instrumento de análise social e política.
Admitindo, sem conceder, que a enunciada conclusão fosse aceitável, parece que, também aqui, é necessário mudar o foco, ou focarmo-nos em algo que será muito mais determinante: as profundas mudanças desde há décadas decorrentes inapelavelmente da globalização e das novas tecnologias. Nesse contexto, enraízam os males da sociedade que explodem, depois, nas instituições políticas que, de resto, há muito não prestam para nada neste novo mundo.
É na degradação das condições de vida das que foram classes médias, alta e baixa, e nas desigualdades que se cavam cada vez mais entre os muito (pouco) ricos e os muito pobres que está a chave da crise. E da sua possível solução.
Há que estar atento às mudanças no mercado do trabalho que se estão já a insinuar e proximamente tomarão conta das angústias dos que trabalham por conta alheia, as quais poderão levar a maior degradação das condições artificial, bem como outros processos de automação – poderão vir a esvazias ainda mais aquelas classes sociais de meios e de condições para uma vida boa ou, pelo menos, suficientemente digna.
Já não está, pois, na linha da frente uma questão de ideologia – esquerda, centro, direita, extrema direita. Que a ideologia não se evaporou é inegável, mas vale pouco neste tempo (de populismo de esquerda; de populismo de direita…).
O futuro passará pela resposta (revolução?) que seja possível para eliminar as desigualdades gritantes da atualidade.