A arbitragem, um dos meios possíveis de resolução extrajudicial de controvérsias, exprime, nos tempos que correm, uma mudança de paradigma quanto à tutela dos direitos. Na verdade, se até há poucas décadas a realização da justiça contemplava o exercício do poder de julgar como reserva do Estado, a atualidade evidencia uma mudança significativa de paradigma neste domínio a qual vai no sentido de (também) aliviar dificuldades nomeadamente no acesso à justiça, através de alternativas legais ao modo tradicional de resolver litígios.

Aqui se apresentam, aliás, vários meios alternativos de resolução de controvérsia, com expressão nos julgados de paz, na mediação e na conciliação e na arbitragem.

A arbitragem, neste contexto, é, pois, uma necessidade do presente no que toca à realização da justiça e não um mero capricho de alguns, interesseiro e utilitarista, apesar de todas as deficiências de que ainda possa padecer, não sendo virtuoso, condená-la, genérica e sumariamente, levando a perder de vista todas as inúmeras vantagens que também tenham comporta para quem precisa de uma justiça mais rápida do que a do Estado, mais barata, formulada por especialistas e confidencial, além do mais.

A arbitragem não é uma panaceia universal, mas é muito eficaz onde existe e está, de resto, em crescimento em todo o mundo.
Sublinhe-se que não são suscetíveis de ser sujeitos a arbitragem os litígios que, nomeadamente, sejam da competência exclusiva dos tribunais judiciais, como por exemplo, os de natureza criminal e os processos de insolvência. Os demais litígios, em regra, são arbitráveis enquanto respeitantes a interesses de natureza patrimonial, ou não patrimonial mas que possam ser transacionáveis.

O artigo “Só não vê quem não quer”, da pena do Sr. Dr. Manuel Soares, há dias vindo ao “Público”, escrito perspicaz e certeiro, não deixa, porém, a plena ideia do que seja a arbitragem e da sua enorme relevância atual. Julga, apenas, um caso – ainda que típico – que, porém, como uma só andorinha, não faz a primavera, mas pode, como julgamento sincrético, que é, trazer graves danos à verdade das coisas e prejudicar o desenvolvimento salutar desse meio de resolução de controvérsia.

Adianto, porém, que subscrevo as suas palavras e mais: entendo que a conclusão político– legislativa a tirar desse tipo de situações só uma haveria de ser: afastar do âmbito legal da arbitragem os litígios do Estado em que se discutem dinheiros públicos.

A possibilidade de ter o Estado e outras entidades públicas como parte em processos arbitrais é, muitas vezes, controversa, sendo certo que a lei portuguesa é muito generosa nesse aspeto tanto quanto omissa em relação, nomeadamente, a um critério único de arbitrabilidade administrativa. Em países de common law, como os Estados Unidos da América, a jurisprudência não aceita, de resto, a submissão a arbitragem de litígios em que estejam envolvidos interesses públicos de relevo.

A arbitragem de litígios com entes públicos, em especial a arbitragem administrativa, perante um mercado quase ou nada regulado, esconde perigos enormes, como se refere no artigo. Mas há mais mundos.

A instituição arbitral oferece, quer no plano interno, quer no domínio da arbitragem internacional, inúmeras e importantes vantagens que alguns pecados não chegaram para condenar. E permito-me sublinhar o quanto o nosso país poderia beneficiar da implementação de um mercado de arbitragem de língua portuguesa – como existem outros, nomeadamente o britânico – isto no domínio da arbitragem comercial internacional. Portugal e todo o espaço euro- atlântico, que vai da Europa, à África e à América Latina, por razões históricas e culturais – e outras políticas e económicas bem atuais – tem interesse vital em construir, também, a sua própria “cultura de arbitragem euro-atlântica”.

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