A realidade que entra em nossas casas através dos meios de comunicação social, mesmo que torpeada pelas “fake news”, evidencia a crescente cólera dos cidadãos face aos estados fragilizados e incapazes de dar resposta, por isso, às reivindicações populares. O caso de Hong Kong será uma exceção que justifica séria reflexão. A República Popular da China, controlada com mão de ferro pelo partido comunista, representa um Estado totalitário, forte e desapiedado mas com óbvias dificuldades em encontrar uma solução para fazer regressar à normalidade aquele território. Se é certo que as crises que assolam muitos estados neste tempo têm muito a ver com as costumeiras dificuldades de governança, com o ocaso dos partidos tradicionais e com o desejo de progresso infinito com cada vez mais possibilidades de consumo, configura-se já com meridiana clareza que outros objetivos pairam sobre e alimentam muitos desses conflitos. A batalha por mais uma reinvenção do mundo está em curso e não se resume a questões relacionadas apenas com o nível de vida (ou o seu custo) mas têm na vida, ela própria, a sua base e matriz. Mais do que o Ter aparece como relevante o Ser – em liberdade, com justiça e solidariedade.
A tragédia que foi a II Grande Guerra e o caos que deixou por todo o lado abriram, então, a porta à reinvenção do mundo, ou pelo menos, à reconstrução das sociedades em novos moldes. As gerações que vieram a seguir alcançaram níveis de bem-estar inéditos. Tiveram empregos, bons salários, cuidados de saúde, educação e formação, bem como a proteção social. Disto se fala referindo os “Trinta Anos Gloriosos”. Desde os anos 1970 a tendência ter-se-á invertido e, em crescendo, tem sido colocado em causa o que parecia adquirido para todo o sempre.
Vive-se um tempo de descontinuidade. Já lá vai o paradigma em que, antes, assentava o futuro: tirar um curso, casar, arranjar um emprego para a vida, comprar casa e automóvel, fazer férias e, no fim, viver uma reforma confortável. A precariedade tomou conta da sociedade – dos empregos, das relações de família (o divórcio), das pensões de reforma. É perante este quadro que há que compreender as revoltas que alastram pelo mundo lideradas, em muitos casos, por uma juventude inquieta e à procura das suas próprias referências e da sua identidade num mundo que também lhes pertence. Parafraseando Nietzsche e a sua expressão “Deus está morto”, dir-se-á que o Estado, enquanto instituição política, também está morto, ou, pelo menos em coma profundo. Capturado por oligarquias e descuidando persistentemente a vida real dos cidadãos, o Estado – as suas instituições – dão sinais de esgotamento tanto quanto os sistemas políticos em que se movem. Para sobreviver, por um lado cobram cada vez mais tributos aos cidadãos e empresas e, por outro, alegando razões de segurança e de ordem pública, despejam rios de dinheiro em serviços de segurança e defesa numa espiral securitária que não parece vir a ter fim.
Os cientistas políticos têm-se dedicado aprofundadamente ao estudo destes fenómenos no que têm de específico neste já adiantado século XXI, podendo dizer-se, até, que o diagnóstico da crise está feito. Agora a questão é a de pôr em pé a mudança.